quinta-feira, 7 de abril de 2005

Ser ilhéu

No seu «Primeiro Corso», resultado de um regresso às ilhas, Vitorino Nemésio escreveu: «Tudo, para o ilhéu, se resume em longitude e apartamento. A solidão é o âmago do que está separado e distante.» A frase é linda, mas muito triste. Deixa no ar um peso mais trágico do que aquele que bruma merece. Para mim, a solidão das ilhas pode ser leve. É ela que me permite verdadeiramente disfrutar do que me rodeia, apreciando os pormenores e os comportamentos, bebendo as paisagens e deixando voar as emoções. Para mim, a solidão do ilhéu resume-se na essência dos sentidos. É o partilhar de laços invísiveis aos olhares mais distraídos, mas resistentes às tempestades mais assustadoramente brilhantes. Ser ilhéu, é sentir-se por dentro e por fora. Por inteiro.

15 comentários:

RD disse...

Muito bonito amiga. :)
É através da bruma que muitas vezes se vê melhor, é nela que nos conhecemos e reconhecemos como ilhéus, por inteiro.
Abraço.

«« disse...

sou ilhéu à quareenta anos e nunca senti solidão..devo estar distraído....mas sinto o pavor de um dia me faltar o mar....de deixar de o ter perto de mim...viva a insularidade (som ou sem solidão)

Caiê disse...

Também no Primeiro Corso disse Nemésio que:"Ninguém mais do que o ilhéu, a não ser talvez o homem da planície, possui o instinto da amplidão.É com os próprios olhos que tiramos do mar a terra que nos faltou." Mas ele sabe ver os dois lados, é só.
De resto, o "Corsário das Ilhas" é um livro a ler com cuidado, por ser as crónicas de um ilhéu que regressa à terra depois de longo tempo. Uma visão que o ilhéu que fica ou se aparta por meses nunca terá... ;) ***

A ilha dentro de mim disse...

Concordo plenamente com o aviso de cuidado, Caiê, mas ainda assim acho muito interessante comparar os nossos regressos com o dele. As ausências são sempre ausências, ainda que mais ou menos longas. Acho até que às vezes uns meses fora podem doer mais do que um ano ou dois, dependendo das circunstâncias espacio-temporais que envolvem a nossa vida, bem como do meio onde nos movimentamos. A ausência de ilhéus à nossa volta, ou de referências que esbatam ou reforcem as saudades de casa, por exemplo, pode fazer toda a diferença.

A ilha dentro de mim disse...

Miguel, talvez nunca tenhas sentido a solidão porque nunca te faltou o mar. Isso explica muita coisa na vida de um ilhéu!

Caiê disse...

Sou muito sensível a Nemésio... LOL.
Claro que o tempo é sempre relativo. O que interessa, fundamentalmente, é que a ilha a que regressas não é a ilha que deixaste. No meu humilde ver...

***

RD disse...

Esquecendo Nemésio um pouco e pegando na última deixa da Caiê. Dizia Heraclito que "ninguém se banha 2 vezes na mesma água do rio", (algo assim) correcto.
Mas onde fica então a saudade? Não será também ela, um pouco à laia de Pascoaes, que faz a ponte entre o passado e o futuro, ou é só a imaginação que trabalha? Não será ela que teima em dar-nos identidade de uma forma contínua?

RD disse...

Miguel... Solidões há muitas. Isso é que é ter sorte.*

João Pacheco de Melo disse...

Tenho um texto de Nemésio, sempre à mão, que, depois de citar o Basco Baroja "O ter nascido junto do mar agrada-em, parece-me como um augúrio de liberdade e mudança", acrescenta:
"E muito mais quando se nasce mais do que junto ao mar, no próprio seio e infinitude do mar, como as medusas e os peixes", para rematar:
"era este orgulho feito de singularidade e solidão que levava Antero a chamar aos portuguêses da metrópole os seus "quasi patrícios"!

É de ler e chorar por mais!

"

«« disse...

ElBravinha já senti solidão mesmo na ilha, nunca deitei as ulpas à minha insularidade;

Gado Bravo: não me posso queixar da sorte, felizmente.

«« disse...

por falar nisso, amanha embarco para a Madeira e espera-me aquela sensação de regresso....apesar de sair de uma ilha e ir para outra...

RD disse...

JPM, eu acredito nesse orgulho feito de singularidade e solidão dos açorianos. Acredito na força vulcânica das nossas gentes. Acredito que temos parte de mar.
Viva nós que temos sorte de estar aqui. :)

RD disse...

Miguel, é um sortudo nesse aspecto.
Nem todos tivemos essa sorte. Lembro-me perfeitamente da dificuldade de adaptação que tive cá, longe de qualquer família e amigos. E foi de uma ilha para outra. Já lá vão 10 anos.
Temos características que nos unem enquanto povo ilhéu, mas temos também várias diferenças de ilha para ilha, como consequência da dimensão de cada uma - nem melhores nem piores, diferentes apenas.
Boa viagem!!!

«« disse...

concordo consigo essencialmente com a frase final. Acredito que foi o acreditar que não era/sou nem melhor nem pior, mas diferente que fazcom que em qualquer altura e em qualquer lugar não tenha dificuldade em me adpatar...por outro lado não nos podemos esquecer que fui nado e criado numa ilha onde os habitantes lidam todos os dias com estrangeiros...isso facilitou.

RD disse...

Saudades tenho eu de casa. :(