quarta-feira, 13 de abril de 2005

Pascoaes (1877-1952)

Teixeira de Pascoaes produziu a partir da experiência existencial da saudade - presente de forma vaga e imprecisa nos seus primeiros textos em verso - uma reflexão, a que subjaz o princípio fundamental de que o ser manifesta uma condição saudosa. Do Ser ao ser, processa-se uma verdadeira queda ontológica, uma cisão existencial, manifestando o mundo, na sua condição decaída, um "pathos universal". Da condição saudosa de ser resulta pois uma condição dolorosa do mesmo ser. Dor de privação, dor de saudade, consciência da finitude, de imperfeição, de insuficiência ôntica.
A experiência da dor pelo homem saudoso, é simultaneamente individual e universal. Por ela o homem–poeta-filósofo entende o mundo como "uma eterna recordação", percebendo a realidade como evocadora de uma outra realidade mais real que aquela.
A condição dramática da existência manifesta-se assim numa permanente tensão entre Ser e existir. O homem existe num primeiro nível de dignidade ontológica, partilhando pelo corpo o mundo da matéria, e vive pelo espírito. A vida é pois uma eterna aspiração à ultrapassagem da realidade material. O "pensamento poético" de Teixeira de Pascoaes é a expressão da possibilidade de conhecimento que se abre pela via da saudade. O conhecimento filosófico-poético é simultaneamente estético, metafísico e ontológico: estético porque o que lhe é próprio se conhece pelo sentimento, metafísico e ontológico porque o seu horizonte é o da verdade que manifesta um caracter transcendente.

«Irmana-te às cousas brutas; integra-te na realidade que ergue, em volta de ti, a sua tremenda arquitectura universal.
Meio-dia. Nem um vestígio de bruma. A claridade salienta, dum modo
imprevisto e cruel, os ângulos que nos ferem e os relevos que nos esmagam.
Os relevos tornam-se densos e volumosos até à forma do trovão ensurdecedor que tudo abala e desmorona; os ângulos tornam-se agudos até à incandescência fulminante. A luz é um grito a repercutir-se na abóbada celeste que petrificou de lado a lado - um mármore azul impenetrável.
Céu e Terra - mármore e granito; e o pobre tolo emparedado, sem
um gesto libertador, sem uma palavra.
Quer mover os braços; não pode: são os braços duma estátua.
Quer falar, abre a boca, e a boca fica-lhe cheia de silêncio.
O silêncio é um mar onde ele naufragou, seduzido pelo mistério das profundidades tenebrosas.(...)»

Teixeira de Pascoaes
in
O Pobre Tolo - Prosa e Poesia

14 comentários:

RD disse...

Toma lá disto C. ;)

carlos disse...

"Enviei-lhe hoje uma espécie de sátira elegíaca, o "Pobre Tolo", em verso pobre. Decerto, não presta para nada, pois aqui ninguém lhe ligou a menor importância" . Amarante, 9 de Junho de 1934; carta de Teixeira de Pascoaes a D. Miguel de Unamuno.

...pelos vistos alguém lhe deu importância. ;)

RD disse...

E não é giro Carlos? Aposto que Unamuno tb deve ter gostado.
O meu olho crítico não procura simples poesia, vai além dela, tal como Pascoaes dizia. :)
Bj*

Caiê disse...

"O génio lusíada é mais emotivo que intelectual. Afirma e não discute. Quando uma ideia se comove, despreza a dialéctica; e é sendo e não raciocinando que ela prova a sua verdade.
A emoção afoga a inteligência, ultrapassando-a como força criadora. E assim, corresponde à nossa superioridade poética, uma grande inferioridade filosófica."

O homem falou e disse! :)

Viuva Negra disse...

Ola obrigada pelos desejos de melhoras !
Gostei, Miguel de Unamuno , O pobre - tolo devia ser lido por muitos...

RD disse...

Deves ter lido a primeira fase de Pascoaes, Caiê. A segunda é um pouco diferente. ;)

RD disse...

Viúva! Bons olhos a leiam! Espero que esteja recuperada e cheia de força. Seja bem aparecida. :))

Caiê disse...

O meu comment na verdade não é meu. LOL . Está entre aspas precisamente porque sou uma ladra confessa. É uma citação de Pascoaes, do "Arte de Ser Português", cap VIII, #Manifestações da nossa Actividade em que melhor se revela a alma pátria#, Edições, Roger Delraux, Lx, pag 96. ***

RD disse...

Percebi miga. Vou-me explicar tb, a ver se passo um pouquito deste senhor complicadito.

Numa primeira fase, Pascoaes considerava um pensamento (entre)mostrativo - a poesia, que era a verdade além do real, e um pensamento demostrativo - a ciência ou realidade. "Só os poetas sabem ler a diferença entre a verdade e as coisas verdadeiras", ou seja, havia uma existência de conhecimento duplo, mas desconsiderava a ciência e a filosofia como formas de conhecimento. A ciência via e pensava, a poesia visiona e imagina, era um mergulhar em diracção do "em si" das coisas. Uma escuta do silêncio.
Numa segunda fase, a ciência é já reconhecida e é parte do conhecimento já considerado, é uma forma de caminhar para a verdade através do poeta e já filósofo interpretador. Nunca se trata em Pascoaes duma poesia simples e imediata, mas sim reflexiva e interpretativa. Pascoaes diz que a filosofia é o princípio e o fim das questões, a verdadeira filosofia é para ele poética, uma poesia metafísica e só o sentido último é que é para ele a verdade racional.
É mais ou menos isto:
1 é o momento intuitivo e imediato - da poesia pura ou filosofia poética instintiva;
2 é o pensamento científico (como) - da ciência experimental;
3 é o momento reflexivo (porquê e para quê), que é metafísico e é a verdade em si - uma filosofia poética, com racionalidade e/ou reflexiva e hermenêutica.
"Em todo o filósofo há um poeta e em todo o poeta há um filósofo"

Caiê disse...

No entanto, isso não o impede de dizer que somos um país de poetas mas não de filósofos... E isso é uma ideia corroborada por quase todos, aliás (vide Fidelino de Figueiredo, "Características da Literatura Portuguesa").

Quantos poetas temos na nos~sa História Literária?
E quantos filósofos?
Pois é. ********

RD disse...

O que Pascoaes diz é que uma coisa não anula a outra. Poesia é a imediatez da filosofia, e depois de interpretada filosoficamente volta a ser poesia mas preenchida por sentido (são as duas ao mesmo tempo).
Acontece bastante com os nossos poetas portugueses mas são reconhecidos apenas como poetas.
O que eu digo é que tenho uma opinião bastante pessoal que prefiro guardar para mim sobre a poesia.
Pode-se dizer que Portugal é um país de poetas sim. Não tenho dúvidas. hehe.

RD disse...

E o pior é que se está a transformar num país de poetas que vende. É por isso que na minha ignorância poética, não sei reconhecer muitas obras que há.

Anónimo disse...

adorei aquela referencia que fazes à saudade como um sentir universal... realmente é... nós só tivemos a astúcia de lhe dar um nome... apartir do teu texto quase se pode questionar em que plano viveremos nós... se somos o que nos construímos somos também o minuto presente que por sua vez vai reestruturando tudo o que está para trás... é uma espécie de engrenagem em que a roldana que direcciona todas as outras é a do amanhã....

beijo grande... e desculpa-me o devaneio...

ps. desculpa dizer-te isto rosa, mas ainda no outro dia comentei com o pessoal do povo, sem nunca te ter visto sinto que te conheço muito bem... é estranho mas és já uma amiga e eu nunca te vi... ;)
... eles partilham a mesma sensação lol

RD disse...

Não somos nós uns devaneios? Eu assumo-me. :)

O resto não desculpo, sabes que tenho uma imagem a manter, hihi.
Meu querido amigo Vitor. Tu é que me tens enriquecido pelas amizades que me trazes sem saberes - o nosso Povo, a Beatriz e agora o Vasco. Tens olho para escolheres amigos para mim. :)
Quantas pessoas conheces que já viste e não "conheces" realmente? Como sabes e já deves ter lido do outro lado no MA, acredito que haja uma dimensão espiritual ou um QE que nos une mais do que o real e concreto.
O que é afinal o real e concreto? As coisas palpáveis captadas pelos sentidos, factos, números ou a essência que retiramos delas? Essa essência só pode ser conhecida pelo nosso íntimo e por abstração, não em notas de rodapé mundanas.
Devolve-lhes a empatia e outra dose especial para ti.
Um beijo.