terça-feira, 31 de janeiro de 2006

O Doente

- Bom dia, é da recepção? Eu gostaria de falar com alguém que me desse informações sobre um doente.
- Qual é o nome do doente?
- Chama-se Celso e está no quarto 302.
- Um momentinho, vou transferir a chamada para o sector de enfermagem...
- Bom dia, sou a enfermeira Lourdes. O que deseja?
- Gostaria de saber as condições clínicas do doente Celso do 302, por favor!
- Um minuto, vou localizar o médico de serviço.
- Aqui é o Dr. Carlos. Em que posso ser-lhe útil?
- Olá, Sr. doutor. Precisaria que alguém me informasse sobre o estado de saúde do Celso que está internado há três semanas no quarto 302.
- Ok, vou consultar a ficha do doente... Só um instante! Ora aqui está: ele alimentou-se bem hoje, a tensão arterial e a pulsação estão estáveis, responde bem à medicação prescrita e vai ser retirado do monitor cardíaco amanhã. Continuando bem, o médico responsável dar-lhe-á alta em três dias.
- Ahhhh, graças a Deus! São notícias óptimas! Que alegria!
- Pelo seu entusiasmo, deve ser alguém muito próximo, certamente da
família?
- Não, sou o próprio Celso que telefona daqui do 302!!! É que todo o mundo entra e sai do quarto e ninguém me diz a ponta de um corno... só queria saber se estava melhor!!


(Chefe Gado Bravo, eu já sei que não devemos colocar anedotas aqui, mas isto demonstra tão bem o modo como somos tratadinhas em alguns Hospitais e vai picar tanto as Bravas enfermeiras que pus aqui só para elas me darem agora poderios de marradas verbais! eh eh eh! )

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Seduzida pela humidade

Apesar de estar longe das ilhas, tenho passado os últimos dias rodeada de humidade, que também aqui parece entranhada no clima. São as janelas que escorrem água, os carros embaciados durante a noite, as paredes com sombras que ameaçam ficar negras e até as névoas que baixam até ao nosso olhar.

Não fosse o cheiro a lenha que paira na atmosfera e o ar demasiado frio, até poderia pensar que o clima das ilhas está lá fora. Mas esta humidade não penetra nos ossos como a nossa. O cheiro é outro, mais forte, mas também mais leve.

De manhã, o sol já brilha forte, apesar de ainda fresco. Não há sombra do nevoeiro que me toldou a vista durante a noite. A humidade evaporou-se como que de repente e a vista para o rio, quase transformado em sapal, puxa-me para a realidade. O mar está longe. E a bruma das ilhas também.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

«A Invenção da Manhã»

Porque a autora deste conto, Carla Cook, é faialense e porque o significado das suas linhas é mais profundo do que as suas escassas páginas, deixo aqui alguns excertos de “A Invenção da Manhã”, que foi publicado na “Seixo Review”, uma revista de literatura e artes escrita em português, galego e inglês, publicada na Internet a partir do Canadá (www.seixoreview.com).

«É curioso como todos, sem excepção, maldizemos a vida e, todavia, nos agarramos a ela como naúfragos aos destroços de um barco.
(...)
Sei bem que a vida entediada das ilhas, o mormaço brumoso dos Invernos, a teia rodada dos dias sem fim que asfixiava... tudo isto fazia desejar aventura, uma fuga de espaço, talvez até de tempo, e não nego que eu personificava bem tudo isto. Eu fui, talvez, a mudança, onde nem o vento faltava de feição. E ela desejava, mais que tudo, navegar para longe.
(...)
Minha irmã Clara tinha, igualmente, um amor pouco comum pela ilha. Parecia extrair dela uma vitalidade essencial, compassava-se pelos seus ritmos como um animal nativo ou uma planta endémica.
(...)
Pareceu-me que, tal como eu, ela dava a vida inteira todos os dias, sem o saber, e sem pressa. Devagar e com sabor.
(...)
Julgar um homem é fácil. Todos são juízes, como todos são marinheiros mas não saberiam governar o barco em que navego. A sensação de desespero que se apodera de um homem que perde o controlo do seu leme não tem nome. Tudo parece absolutamente inútil, fenece num ápice, sentes-te tomado dum pavor de comparações e metáforas tolas. E eu já disse que sou um homem prático e que apanhei Clara como se apanha um flor – de sacão e sem ligar à seiva que escorria.»

quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

A ressaca do abraço gigante

Sei que este é o meu primeiro post do ano no Gado Bravo, mas não me apetece entrar naquela onda desejar tudo aquilo que já vos desejaram. Primeiro, porque já ninguém se interessa. Segundo, porque o espírito festivo já não paira sobre mim. Prefiro, pois, citar o blog da Oficina de Artes e Ofícios de Avis:

"Dezembro é para mim um mês completamente anacrónico, porque foge aos meus parâmetros de tranquilidade mental e fisica. Não quero dizer com isto que seja mau. É diferente e muito cansativo."
in http://oficinartes.blogspot.com

Subscrevo inteiramento essa do "mês diferente" e "cansativo". Gosto muito de Dezembro, mas quando acaba apetece-me gritar "finalmente!" e depois "encerrar para balanço", como faz o comércio tradicional.

Em Dezembro, parece que temos de abraçar o mundo inteiro com os mesmos braços de sempre. E sempre a sorrir, como se fossemos a mulher-elástica dos "Incredibles". Mas por mais que estiquemos os braços, a verdade é que eles não chegam mesmo para todos e, ainda por cima, quase não sobram para nós, que acabamos exaustos e a precisar de férias.

Volvidos 11 dias do primeiro mês no ano, os meus braços ainda não voltaram ao normal, mas já consigo teclar com fúria. Não sei é se isso é bom sinal, ou mau...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

A Mulher de Porto Pim



António Tabucchi

Escritor italiano nascido em 1943, em Pisa. Tendo sido professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Génova, foi director do Istituto Italiano di Cultura em Lisboa. Dedicado ao estudo da figura de Fernando Pessoa, produziu ensaios sobre este autor e traduziu obras suas. Paralelamente à sua actividade de pesquisa e crítica literária, tem criado uma notável obra como ficcionista, de onde se destacam Donna di Porto Pim (A Mulher de Porto Pim, 1983), Notturno Indiano (Nocturno Indiano, 1984), Piccoli Equivoci Senza Importanza (Pequenos Equívocos sem Importância, 1985) e Sostiene Pereira (Afirma Pereira, 1994). Esta última deu origem ao filme com o mesmo nome, realizado por Roberto Faenza e filmado em Portugal. Em 2001, um artigo que escreveu para o jornal fancês Le Monde e que foi traduzido pelo jornal espanhol El País (acerca da liberdade de expressão), fez com que António Tabucchi fosse galardoado com o Prémio de Liberdade de Expressão Josep Maria Llado, na Catalunha, em Espanha.

Aconselha-se a quem ainda não o leu.