segunda-feira, 16 de julho de 2007

«O mundo de quem tem filhos»

«Dizem que a maternidade muda as mulheres. Mas esta frase, quando dita, parece mais uma crítica do que um elogio. Costuma vir em tom mais ou menos pejorativo, geralmente referindo-se a alguém que deixou de se dedicar cem por cento ao trabalho, ou cem por cento aos amigos, ou cem por cento ao mundo lá fora.

Antes de ser mãe, ouvi esta frase muitas vezes, geralmente vinda da boca de colegas homens (e sem filhos), que me tentavam explicar porque “fulana” ou “sicrana” estava diferente. “Quando fores mãe, também te vai acontecer o mesmo”, diziam-me em tom de aviso, como que a alertar-me para não me meter nisso, porque a maternidade seria mais ou menos incompatível com tudo o resto.

Entretanto, ignorando os avisos e os conselhos aparentemente inofensivos, também eu decidi ser mãe e experimentar esse lado “radical” da vida.

Passou pouco mais de um ano desde que nasceu o meu primeiro filho, mas a minha curta experiência de maternidade é já mais do que suficiente para constatar que também eu estou diferente. Mudei sim, mas para melhor. Muito melhor!

Durante o primeiro ano de vida do meu filho, aprendi a olhar o mundo de outra forma. Descobri a beleza de um sorriso, o deslumbramento de um gesto, a graça de uma gargalhada, a emoção de cada descoberta. Mas também descobri o medo do futuro, aprendi a espreitar os perigos e a relativizar os fracassos.

Com a maternidade, aprendi sobretudo que os dias são para viver um de cada vez, numa sequência inesgotável de afectos, alegrias, expectativas e frustrações. E percebi que o mundo ganha outra dimensão quando deixamos de pensar no futuro como se ele fosse certo e imutável.

Hoje, continuo a querer fazer todas as coisas de que antes gostava. Não abandonei os meus sonhos, nem tão pouco os meus projectos. Apenas dei uma ordem diferente à minha lista de prioridades.

Agora, o meu filho é quem mais ordena lá em casa. Não porque lhe faça todas as vontades, mas porque o seu bem estar se tornou no mais importante.

Não sou uma mãe obsessiva, mas isso também não quer dizer que seja uma mãe desatenta. Sou apenas uma mãe prática, como diz a ama do meu filho. E ser prática significa ser eficaz, não perder tempo com coisas acessórias e concentrar as energias no fundamental. Ora, na maternidade o fundamental é o amor.

Pode parecer frase feita, mas a verdade é que com amor e carinho tudo se cria. O dinheiro desaparece depressa, mas também se estica miraculosamente. A roupa pode ser grande, mas depressa fica curta. O choro costuma ser forte, mas a gargalhada consegue soar mais alto. E mesmo quando a energia é pouca, a força nunca se esgota.

É um mundo em constante mudança este da maternidade. É um mundo que não nos deixa indiferentes, nem iguais. Aprendemos, mudamos, crescemos. E tudo se torna mais significativo.

Hoje, percebo melhor o sofrimento de uma mãe que perdeu um filho, emociono-me mais com a violência infantil, incomoda-me mais a ausência de uma boa política educativa, choca-me mais a falta de cuidados materno-infantis, horroriza-me mais o desprezo que os sucessivos governos votam à família.

Volta e meia, lembro-me das vezes em que me disseram que a maternidade muda as mulheres. Tons pejorativos à parte, não posso deixar de concordar. Mas não muda só as mulheres, pois também os homens não lhe ficam indiferentes. Seja porque os assusta, porque os deslumbra ou porque os faz descobrir a paternidade, com tudo o que de bom e de mau vem associado.

Definitivamente, o mundo de quem tem filhos é diferente. E só quem não os tem é que não consegue perceber isso.»

Lídia Bulcão, in Tribuna das Ilhas, 6/7/2007