segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

«A Invenção da Manhã»

Porque a autora deste conto, Carla Cook, é faialense e porque o significado das suas linhas é mais profundo do que as suas escassas páginas, deixo aqui alguns excertos de “A Invenção da Manhã”, que foi publicado na “Seixo Review”, uma revista de literatura e artes escrita em português, galego e inglês, publicada na Internet a partir do Canadá (www.seixoreview.com).

«É curioso como todos, sem excepção, maldizemos a vida e, todavia, nos agarramos a ela como naúfragos aos destroços de um barco.
(...)
Sei bem que a vida entediada das ilhas, o mormaço brumoso dos Invernos, a teia rodada dos dias sem fim que asfixiava... tudo isto fazia desejar aventura, uma fuga de espaço, talvez até de tempo, e não nego que eu personificava bem tudo isto. Eu fui, talvez, a mudança, onde nem o vento faltava de feição. E ela desejava, mais que tudo, navegar para longe.
(...)
Minha irmã Clara tinha, igualmente, um amor pouco comum pela ilha. Parecia extrair dela uma vitalidade essencial, compassava-se pelos seus ritmos como um animal nativo ou uma planta endémica.
(...)
Pareceu-me que, tal como eu, ela dava a vida inteira todos os dias, sem o saber, e sem pressa. Devagar e com sabor.
(...)
Julgar um homem é fácil. Todos são juízes, como todos são marinheiros mas não saberiam governar o barco em que navego. A sensação de desespero que se apodera de um homem que perde o controlo do seu leme não tem nome. Tudo parece absolutamente inútil, fenece num ápice, sentes-te tomado dum pavor de comparações e metáforas tolas. E eu já disse que sou um homem prático e que apanhei Clara como se apanha um flor – de sacão e sem ligar à seiva que escorria.»

3 comentários:

Anónimo disse...

Já tinha lido e mais uma vez repito, gosto muito da escrita dessa piquena ;)
Vocês são umas pérolas as duas.
Um beijinho grande*

Caiê disse...

Essas 5 páginas (50 - 55) são uma história de esperança, de renovação e de liberdade (embora, muitas vezes, pareçam ser exactamente o oposto). Todas essas coisas são possíveis mesmo no meio das grandes dores, da podridão da morte e dos momentos de abismo e de violência em que nos perdemos.
Acho que temos uma escolha fundamental na vida: viver ou desistir dela. O resto são acessórios.

:) :)

Abraços.

Anónimo disse...

excelente.