domingo, 10 de abril de 2005

Ainda a eutanásia... e “Romeu e Julieta”

Há dias li uma crónica sobre o eternamente polémico tema da eutanásia, as doenças e a história de Romeu e Julieta, e achei que seria interessante partilhá-lo com vocês. Neste momento devem estar a pensar: o que tem a eutanásia a ver com Romeu e Julieta?? Leiam e vão ficar a saber...
“O drama de Terry Schiavo, a americana em situação de paralisia cerebral a quem os tribunais – contra a vontade dos pais e “defensores da vida”, um vasto leque que vai desde a Igreja Católica ao presidente George Bush e à maioria protestante do Congresso americano – concederam o direito de “não viver indignamente”, que é como quem diz, de morrer, suscitou um profundo e emocional debate sobre o que é a vida, a doença, e o direito de cada um a dispor de si próprio. Metafísicas à parte, isto é, pondo de lado a natureza divina da vida, que é um argumento que vale apenas para quem acredita que a vida é um milagre, a questão mais interessante é perceber de que modo a ciência e a medicina estão a modificar radicalmente a experiência humana. Ao contrário da tradição oriental, que acredita na reincarnação e encara a vida individual não como uma coisa única e irrepetível mas como um episódio apenas de um contínuo eterno, visto que o indivíduo não morre, apenas muda de corpo, a tradição judaico-cristã (e muçulmana) ensinou-nos a sofrer com resignação e coragem a travessia pela terra, o vale de lágrimas, na esperança de ressuscitar um dia e merecer a vida eterna no céu.
Graças à medicina, e ao crescente cepticismo sobre a vida no outro mundo, as pessoas estão menos dispostas a sofrer e muito menos a morrer, e cada vez mais se encara como um direito natural, que o Estado e o Serviço Nacional de Saúde têm de providenciar, atravessar o vale de lágrimas bíblico e chegar ao fim vivo e de boa saúde. Terry Schiavo, se não estivesse a ser alimentada artificialmente já teria morrido de morte natural há 17 anos. Sem a penicilina, os antibióticos, as vacinas, os transplantes, os “pacemakers”, as máquinas de diálise e toda a parafernália de maquinaria que é hoje indispensável em qualquer centro de saúde, e cujo custo é cada vez maior e incontrolável, uma grande parte dos portugueses já teria entregue a alma ao criados. A esperança média de vida aumentou 30 anos num século graças à alimentação, ao saneamento básico e aos médicos.
Cada vez mais o normal não é estar de boa saúde mas estar doente. Em Portugal, os dias perdidos no trabalho por doença ultrapassam os dez milhões, e seriam muito mais se uma quantidade interminável de novas maleitas justificassem a “baixa”. Os portugueses são dos maiores consumidores europeus de anti-depressivos e pílulas para dormir, acompanhando a nova tendência da medicina para considerar os estados de espírito ou maneiras de ser como situações clínicas. A vergonha e a timidez, por exemplo, chamam-se agora “fobias sociais”, e podem-se tratar, não com uns copos e um jantar com amigos, mas com pílulas receitadas por médicos e comparticipadas pelo Estado. Desde que Dr.Freud, o charlatão de Viena, descobriu as doenças da alma, que a indústria farmacêutica descobriu novas maneiras de ganhar dinheiro à custa do feitio de cada um. A paixão infeliz, ou o mal de amor, são já catalogados pelos psiquiatras como “uma doença genuína que necessita de diagnóstico”. Morrer de amor está em vias de deixar de ser um exagero poético para ser uma situação clínica. Romeu e Julieta não morreram por amor. A acreditar nos psiquiatras, estando apaixonados, o que eles tinham era uma doença terminal. Não se suicidaram, exerceram o seu direito à eutanásia.”

José Júdice, in “Metro”, 29/03/05

10 comentários:

peciscas disse...

Um texto para ler e para reflectir!

RD disse...

Acho que o Sr. Júdice ao mandar as metafísicas para as costas, bem se poderia ter escusado ao exemplo da tradição oriental para marcar ponto contra a judaico-cristã. Se não serve para uma, decerto não servirá para outra.

Depois como ele diz e bem, aumento de esperança de vida não é de forma alguma mais anos de vida, é sim, impedir que se morra mais cedo.

Freud era psicólogo e não psiquiatra, dava no ópio que se fartava, mas nao receitava drogas. Atribuam culpas a outros, que este não serve de bode. Mais, nestas patologias é Maomé que vai á montanha e não a montanha a Maomé, ou o Sr, Júdice pensa que os psicólogos andam a bater ás portas?
De facto o livro de Freud "Doenças da Alma" era uma porcaria, uma comédia quase, mas não sendo ele, duvido que muito se soubesse hoje.

Agora que concordo que somos umas frandes, sim, concordo.

Caiê disse...

A ideia de reencarnação não é exclusivamente oriental. Para dar um exemplo, a metempsicose cabalistíca.Embora os judeus não sejam particularmente adeptos da reencarnação, como sabem... ;)

De resto, acho que a maior parte das religiões vê (infelizmente) o sofrimento como uma oportunidade de renovação espiritual.

A eutanásia e o suicídio andam a ser confundidos nos dias de hoje... Até andam a ser confundidos com outras coisas. Escuso de falar na Terry Schiavo que só depois de morta tem interesse para o mundo, porque enquanto sofreu não suscitou o interesse de ninguém.

O Freud exagerou e muito nas suas teorias. Mas foi um inovador. Para além de pai da Psicanálise, muitas das suas ideias sobre o desenvolvimento psico-sexual, o inconsciente e a transferência dos traumas parecem-me interessantes.

É verdade que hoje em dia se exagera muito em certos problemas das pessoas... O menino não presta atenção nas aulas e tem Síndrome de Défice de Concentração !!! Antes, levava um puxão de orelhas... Mas outras coisas são dramáticas e é bom que se preste atenção. A Depressão É uma Doença e pode levar ao suicídio.

Desculpem o comment do tamanho do mundo... LOL :) Nota-se que eu não tenho filhos para criar ainda. AH AH AH ! ;)

Anónimo disse...

A palavra eutanásia continua a ser demasiado assustadora para muita gente. Impedir o prolongamento terapêutico é menos assustador do que praticar eutanásia, por isso, hoje em dia, as duas expressões já não siginificam a mesma coisa.

Neste artigo, o autor levanta muitas questões pertinentes. Tão pertinentes que já ultrapassaram a saúde e se estenderam a outras áreas da sociedade. O modos operandi da sociedade moderna alarga-se de forma assustadoramente "polite".

Na educação, por exemplo, um puto que levou um tabefe dos pais ou um puxão de orelhas é considerado vítima de violência infantil. O mesmo acontece com os animais. Um cão que não come comida de lata porque o dono não tem dinheiro para isso, está a ser maltratado. E uma matança de porco já virou um acto de barbárie. Qualquer dia, respirar o ar puro também é um crime ambiental. Haja paciência!

RD disse...

Em cima queria dizer "fraude".

Elbravinha, tudo é levado a extremos nesta sociedade que se diz tolerante e democrática. Para mim isso é bastante óbvio.
Não há meios termos em lado nenhum, há o extremismo não pela absolutização mas pela relativização - há tolerância já não activa mas cruamente passiva que cai numa indiferença perturbadora. Ninguém se mete, ninguém admite nada, ninguém sabe, há uma aclamação pelas liberdades individuais desenfreadíssima que se arrisca a cair em libertinagem.
Foi aqui que deve ter faltado o tabefe a muitos quando eram pequenos.
Ainda outro dia li: "Valores... quais valores?" Penso que isto diz muito.

E tu amiga, cuidado com a ideia da matança do porco (tantas que vivemos juntas), que te arriscas a ser rotulada como uma insensível que não é amiga dos animais.
Haja mesmo muita paciência!! Arre.

RD disse...

Querida Mónica e bravo testemunho da minha terra, não vou comentar a eutanásia porque para quem não a defende não há tolerância.
Já sabem a minha opinião quanto a isto, e quem queira relê-la, basta descer uns posts.
Um abraço*

vermelhofaial disse...

Fome, desejo e vontade poderiam ser variantes do QUERER, como diriam os filósofos. Não existe querer futuro, quando se quer já é presente, impossível controlar e é esse querer alguma coisa que nos motiva a viver. O dia que deixarmos de querer a morte simplesmente chega. Daí talvez venha aquela coisa de dizer "fulano morreu de saudade/amor", na verdade o fulano perdeu a capacidade de querer e simplesmente parou de viver...
Para os crentes, que acreditam no paraíso depois da morte, não se percebe porque não aceitam naturalmente o fim da vida e contrariam a vontade de Deus, prolongando-a artificialmente.

RD disse...

Estrelinha, o QUERER é como o potencial. Se não se faz nada é nulo e adianta de pouco tê-lo.
A tua última frase tem muito que se lhe diga, 1º nem todos acreditam em paraísos, mas sim numa vida depois da morte ou não sabem porque nunca estiveram lá. Alguns não acreditam no que há depois, mas crêem em Deus. Há muitas interpretações diferentes da religião como bem podes entender.
Sim, aceitar o fim da vida, para mim, é aceitar o fecho de um ciclo natural, tal como acontece em toda a Natureza. O resto é óbvio.**

mad cow disse...

De facto este é um tema muito controverso... Apesar de não vos saber dizer se sou contra ou a favor, na minha opinião, enquanto futura profissional de saúde, penso que de certa forma a medicina está a ser usada, em alguns casos, contra os seus próprios fins. O objectivo de qualquer profissional de saúde é proporcionar aos doentes a melhor qualidade de vida possível. Mas será que podemos falar de qualidade de vida quando uma pessoa está acamada, sem se mexer, sem poder fazer nada e muitas vezes mesmo sem poder sequer falar??...

RD disse...

Mad, o tema é deveras controverso, mas há que discuti-lo com seriedade.
Imagino o dilema que não estejas a passar, tu em particular porque estás entre a ética deontológica da profissão e a tua ética pessoal.
Uma está a pôr em causa a outra, o que faz de ti um caso particular.
Enquanto há vida, seja ela como fôr, o vosso dever/obrigação profissional, é cuidar da qualidade dela. A quantidade já não é do foro das vossas responsabilidades. No teu caso compete-te as duas, pelas razões que sabemos.
Sim, a medicina e a própria ciência, foi, é, e será muitas vezes usada contra os seus fins.
É por isso que alguns de nós se preocupam em pensar as causas e as consequências (caso da genética e as suas implicações, por exemplo). Somos uns pensadores futéis, ou talvez uns profetas? O tempo o dirá.
Não é fácil a quem está de fora responder a estas questões, eu também, com todo o respeito que vos tenho, tento não opinar demais sobre este assunto, mas para mim, a VIDA é um milagre que supera tudo e hei-de estar cá com todas as minhas forças a defendê-lo.
Acho que a maior parte das pessoas pensa nos que são contra a eutanásia como um bando de parvos egoístas que espera milagres. Se isso os faz sentir mais seguros, que o pensem.
Toda a vida se viveu como se pôde e demos sempre o nosso melhor aos outros. Porquê agora esta fuga à responsabilidade? Porque é mais fácil acabar com problemas? Há menos dor para quem vai e para quem fica? Haverá? Sei que não viveria bem um dia que fosse, sabendo que tinha dado ordem para desligar a máquina. Não se vive bem por coisas menores que se faça, qt mais isto?
Mas isto sou eu com as minhas convicções, sejam cor-de-rosa ou não, disponho-me a tratar dos meus enquanto puder e tiver forças.
Um beijito e vai postando quando puderes!
Encontramo-nos no casório!