sábado, 26 de março de 2005

O Espaço Público

Vê-se que o espaço público falta cruelmente em Portugal. Quando há diálogo, nunca ou raramente ultrapassa as «opiniões» dos dois sujeitos bem personalizados (cara, nome, estatuto social) que se criticam mutuamente através das crónicas nos jornais respectivos (ou no mesmo jornal).
O «debate» é necessariamente «fulanizado», o que significa que a personalidade social dos interlocutores entra como uma mais-valia de sentido e de verdade no seu discurso. É uma espécie de argumento de autoridade invisível que pesa na discussão: se é X que o diz, com a sua inteligência, a sua cultura, o seu prestígio (de economista, de sociólogo, de catedrático, etc.), então as suas palavras enchem-se de uma força que não teriam se tivessem sido escritas por um x qualquer, desconhecido de todos. Mais: a condição de legitimação de um discurso é a sua passagem pelo plano do prestígio mediático - que, longe de dissolver o sujeito, o reforça e o enquista numa imagem «em carne e osso», subjectivando-o como o melhor, o mais competente, o que realmente merece estar no palco do mundo.
José Gil, in 'Portugal Hoje - O Medo de Existir'

8 comentários:

Caiê disse...

Ah, ah... esse livro é, actualmente, um favorito desses mesmos catedráticos, sociólogos, etc... ;) A roda gira, gira, sem parar...

RD disse...

E o que é que isso tem a ver Caiê? Espero que eles o leiam mesmo para ver se se tocam.

José Gil apela a que não se use títulos para se fundamentar opiniões, e alerta para o debate sem fulanizar. O que como sabes, e quando se trata de assuntos importantes, defendo.

Fulanizando um pouco:
As melhores trocas de ideias que tenho tido ultimamente, cá na net, são feitas com anónimos e que a maior parte das vezes por tentarem argumentar com rigor são mal interpretados por outros.
Uma coisa é opinião, outra é saber, e outra ainda e creio que a mais importante e a que faz mais falta, é saber reconhecer.*

Anónimo disse...

Era boa ideia, amiga, se se tocassem, mas é sempre difícil toda e qualquer pessoa ter uma clara imagem de si mesma.

Eu achei que tinha a ver porque o livro alerta, entre outras coisas, para o perigo de nos vermos dominados por um nome sem ideia subjacente... e é lido por esse mesmo nome. Atenção: mais uma vez, não gosto de generalizar! Nem todos os dominantes têm falta de ideias...

Quando à última frase, saber reconhecer, é importante, mas raríssimo. Opiniões todos temos, claro. E o "saber"... para mim, não é algo absoluto. Mas isto, se calhar é uma opinião também... estamos muito filosóficas...Ui!

RD disse...

Ideia sobre nós mesmos creio que todos a temos, pode é não ser, como dizes, clara. Sendo assim, convém perder/ganhar tempo com isso.
O saber não é absoluto, de maneira nenhuma (que graça teria?), mas existe repartido em muitas áreas e por várias pessoas! Todos temos pessoas por quem nutrimos admiração (ou talvez não)... :) E aprendemos com eles. Se aprendemos é porque achámos melhor para nós.
Este saber de que falo não está apenas nos livros! Está nas entrelinhas da vida também.

Ai miga, isto não é para este lado, é para o outro! Tb tá lá. ;)
Jitos*

Viuva Negra disse...

plenamente de acordo! isto dava direito a um testamente sobre lideres de opinião , grupos de pressão e afins , cunhas , padrinhos e enteados hehehh !!! talvez um pouco de lobby para dar mais entusiasmo a coisa! Existe de facto imensa gente com mil vezes mais capacidade e que vive no anonimato , uns por opção , outros camuflados, qts nao vivem a conta dos conhecimentos dos outros , mas empresas e todos os dias ...

RD disse...

Não haja dúvida VN, por vezes só por não terem a mesma matreirice ou uma imagem trabalhada como os outros ficam no anonimato. O que é uma pena. Conheço tantos que é que mudam isto tudo para melhor. Também digo-lhe, se pusessem as garras de fora, não poderiam ficar iguais aos outros todos? Desconfio que demorasse pouco até que um chico esperto invejoso os tentasse pôr para baixo.
É o darwinismo social. Uma verdadeira porcaria.

«« disse...

Vivemos numa sociedade onde mais importante do que se sabe fazer são as nossas habilitações, ou o nosso status...por essas e por outras teimo em ser um desalinhado...um contra-corrente....belo texto...bem escolhido

RD disse...

Pois eu diria caro Miguel, que estou mais preocupada com o que sei/não sei, do que o que os outros pensam que eu sei.
Mostrar saber é fácil, ainda mais quando o nível de reconhecimento de muitos é tão baixo. Basta ter cuidado a escolher o público certo e brilhamos na ribalta. Díficil é saber realmente alguma coisa e aí os outros também poderão não o reconhecer, mas no fundo isso interessa? Se há coisa que não lhe tiram é o conhecimento e acredite que a sua vida melhora.
Eu por mim não desalinho quando já anda tudo desalinhado. Prefiro ser anormal e não reconhecer ninguém apenas pelo canudo ou pelo "status" (ainda vamos definir "status" um dia destes para ver se coincidimos)*