domingo, 20 de março de 2005

Porque hoje é Dia do Pai...

Eu sei que hoje é aquele dia em que se devem dizer coisas lindas acerca dos nossos papás e dar-lhes uma prendinha. Aparecem reportagens levemente pirosas na TV e outras verdadeiramente emocionantes. Há cartazes que incitam ao consumismo nas perfumarias e lojas de quinquilharias. Há fotos lindas de bebés ao colo de pais, nas revistas, que levam às lágrimas.

Sou suspeita. Detesto "dias de". Porque raio se há-de comemorar coisas óbvias que merecem destaque todos os dias? A Criança, a Mulher, a Mãe, o Pai... são dias sem sentido, porque deles são todos os dias do ano. Isto para quem é criança, mulher, mãe e pai. Ou para quem merece a denominação. Porque como dizia uma colega minha da escola primária - que nunca mais esqueci - "Nem todos os pais são o melhor pai do mundo, sra professora!"

Na minha escola, chegado este dia, tínhamos de fazer postais para os pais. À mão. Grande dia para os artistas, e para os papás que receberiam as cartolinas tipo coração a dizer "Adoro-te; obrigada por tudo o que fizeste por mim; ao Pai mais amigo" e outros mimos. Todos o fazíamos. A verdade é que quase um terço da aula não tinha pai. Minto. Tinha um pai que não merecia cartão algum. Eram miúdos do internato, que tinham sido abandonados pela família, quase todos maltratados pelo pai antes do abandono ou da acção da assistente social, e com péssimas recordações do mesmo. Pais violentos, pais negligentes, pais psicóticos, pais abusadores. Havia mesmo um caso terrível, em que a minha colega chorava de cada vez que se falava no pai, porque tinha cicatrizes no corpo e muitas mais na alma.

Isto para dizer que o dia dos cartõezinhos que, religiosamente, todos éramos obrigados a fazer e decorar, era um pesadelo para 10 pessoas da sala. O meu apelo é só este - que se acabe com a hipocrisia atormentadora de fazer isto nas escolas. Quem tem pai e quer fazer, faz, e leve esta alegria ao seu pai, que bem merece! Há pais incríveis, que merecem o mundo. Beijos para eles! ... Mas quem não tem um pai merecedor de ser assim chamado... nunca deveria ser forçado a passar por esta tortura estúpida do bilhetinho escolar floreado a tinta e recortado, feito entre lágrimas, que só lhe lembra o que sofre, e que atira para o lixo quando sai da aula.

Dia feliz para todos os meninos!

7 comentários:

RD disse...

Tens toda a razão Caiê, nunca tinha pensado nisso dessa maneira e sou também anti-dias marcados, Natal é quando o homem quer.
Visto assim parece-me uma crueldade. Pertenci aos que tiveram a sorte de ter um pai presente e talvez por ser pequena na altura, nunca coloquei essa questão. É uma boa reflexão amiga.
Feliz dia para todos... Ahhhhhh e Boa PRIMAVERAA!!!

carlos disse...

... muito bem observado, Caiê, as aulas de trabalhos manuais deviam ser, nesse dia, de tema livre.
Mas, por outro lado, devo agradecer a essa liturgia do calendário um quadradinho de acrílico sobre tela que a filhota de 4 anos me ofereceu 6ª feira. ;)

RD disse...

Ah... calhou-lhe qualquer coisa! É bom sinal. :)

Caiê disse...

Carlos, quem merece, merece! Mas nem todos estão no mesmo barco e os miúdos que navegam noutras águas sentem-se pior que mal por ter de fazer um papel hipócrita... Essas diferenças na escola deviam ser esbatidas e são ressalvadas a todo o momento.

«« disse...

Acho muita falta de sensibilidade do professorado a esse nivel, apesar de ter recebido uma prenda que me sensibilizou muito. Não sou apologista que se deixe fazer porque uns não podem festejar..essa realidade existe e pode ser um momento educativo de grande valia, para quem (como eu) tb sofre no dia do pai, por não ter tido a possibilidade de conviver com ele...contudo..tem que haver maneiras de resolver o problema, sem magoar os que não tem mas não ptivando os outros que têm e que não têm culpa da infelicidade dos outros.

Caiê disse...

Pois, Miguel, a ideia era mesmo essa. Não abolir, mas dar a cada miúdo a hipótese de fazer ou não, consoante a sua situação particular. Vemos as coisas pelo mesmo prisma. :)

carlos disse...

... e vão três a usar os mesmos óculos.