A ciência e a verdade podem residir em nós sem juízo, e este pode habitar-nos desacompanhado delas: o reconhecimento da própria ignorância é um dos mais belos e seguros testemunhos de juízo que conheço. Não tenho outro sargento para pôr em ordem os meus escritos além da fortuna. À medida que as divagações me ocorrem, eu as empilho; ora se atropelam em bando, ora se dispõem em fila. Quero que todos vejam o meu passo natural e simples, por irregular que ele seja. Deixo-me ir como me apraz, e estes não são assuntos que não seja permitido a um homem ignorar ou tratar de maneira ligeira e casual.
Bem que eu desejaria ter conhecimento mais perfeito das coisas, mas não quero comprá-lo por ser muito caro. O meu desejo é passar airada e não laborosiamente o tempo que me resta de vida. Bem nenhum existe que seja capaz de levar-me a quebrar a cabeça por ele, nem mesmo a ciência, por valiosa que seja. Não procuro nos livros senão alcançar prazer mediante um divertimento honesto, ou, se estudo, não busco senão a ciência que trata do conhecimento de nós próprios, e que me ensina a morrer e a viver bem.
Michel de Montaigne, in 'Ensaios'
5 comentários:
Está aqui muito, não é? O "só sei que nada sei", o "ignoce te ipse", com um pouco de esforço até uma forma de "carpe diem"... Um excerto muito rico! Clap, clap, clap! ;)
Gosto muito desta ideia "deixo-me ir como me apraz"... ahn, D. Brava!
Apesar do "deixo-me" parecer passivo - o "como me apraz" - entrelinhas e em "braille virtual" significa, pour moi même, que se escolhe o caminho. Digamos que é parecido com o desenhar sem borracha, mas não apenas pela fortuna do acaso. "Carpe Diem" pois já se sabe, always.
O "só sei que nada sei" tão oportuno, do meu amigo boémio, tem qualquer coisa mais por detrás que é uma humilde pretensão para qualquer ser humano. São opções pessoais braveza amiga.
Kisses e continuação de boas arranhadelas*
Obrigado filósofa.
És uma querida!
:)*****
Todos os "males" do mundo são consequência da ignorância... acredito piamente!
bjs
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