quarta-feira, 9 de março de 2005

A realidade por detrás da Eutanásia

Falar da Eutanásia, para muita gente, é mais ou menos a mesma coisa do que falar de aborto. Se se concorda com um, então também se concorda com o outro, e vice-versa. Durante muito tempo, também pensei assim. Contudo, a “realidade” tem se encarregue de me mostrar que são duas situações muito diferentes.

É muito fácil dizer que se é a favor ou contra a Eutanásia quando o acto em si não passa de um palavrão que parece distante. É muito fácil criticar quem quer a Eutanásia, sem olhar para a vida dessa pessoa. E, aí, tudo o que nós podemos dizer sobre o que se passa na cabeça de quem a pede só pode ser mera especulação, porque nenhum de nós consegue saber o que pensa uma pessoa que está perfeitamente consciente de tudo o que se passa à sua volta mas não o consegue exprimir.

Se é sempre possível apresentar outra solução a quem quer fazer um aborto, não se pode dizer que a opção oferecida a quem procura a Eutanásia seja uma questão de escolha livre. Nem tão pouco me parece que quem procura esta solução o faça de ânimo leve, ou sequer inconscientemente, como acontece a muitas adolescentes que procuram o aborto. Quem escolhe a Eutanásia não o faz porque está profundamente depressivo, nem tão pouco poderia resolver o seu problema se tomasse um Xanax ou um Prozac. Estamos a falar de gente que tem doenças fatais, que não têm cura, nem qualquer tratamento que faça a doença regredir, ou tão pouco que a impeça de progredir. Estamos a falar de gente que já está em fase terminal.

Não é por acaso que, na Holanda, duas das doenças que levam os pacientes a procurar a Eutanásia são a esclorose lateral amiotrófica ou a doença pulmonar obstrutiva crónica. Estamos a falar de pessoas que já sabem que vão morrer. É tudo uma questão de semanas, ou de meses. Mas, até lá, vão ter de ficar confinadas a uma cama, sem conseguir mexer qualquer membro do corpo, sem conseguir emitir qualquer som que se perceba, sem conseguir mastigar ou engolir, sendo alimentadas através de sondas e respirando através de máquinas, mas em grande sofrimento e com plena consciência do que está a acontecer com elas.

A única opção que resta a esta gente é ver a vida prolongada sem que a possam viver minimamente. Por muito que tenham uma família fantásica, sempre presente e positiva, bem como cuidados médicos espantosos, a vida não vai melhorar nunca, nem o sofrimento acabar ou sequer diminuir. Mas será que isso é motivo para escolher avançar com a Eutanásia? Não sei! Mas será que alguém que não esteja nessa situação poderá ser capaz de saber? Duvido!

Sei apenas que não podemos generalizar as coisas. Sei que o perigo de uma lei que autorize a prática livre da Eutanásia é precisamente esse, portanto, prefiro nem sequer levar a discussão por esse caminho.

Também sei que tem uma opinião já formada sobre o assunto, dificilmente a vai mudar, por muito que leia ou investigue sobre o assunto. Pelo menos, até que um dia a doença lhe chegue. Ou chegue a alguém que lhe seja demasiado querido. Nesse dia, se calhar mudam!

A mim aconteceu-me no dia em que diagnosticaram uma Esclerose Lateral Amiotrófica à pessoa que me trouxe a este mundo. Não posso dizer que mudei de opinião sobre a Eutanásia quando isso aconteceu. No meu caso, deixei apenas de ter certezas. E no dia em que essa fase terminal chegar, não sei o que pensarei. Mas tenho a certeza de que por mais que eu esteja a sofrer, nem sequer conseguirei imaginar o que ela estará a sentir. E esse é o problema que a discussão sobre a Eutánasia deixa de fora na maior parte dos casos!

16 comentários:

RD disse...

Bravíssima, estamos a falar e a concordar com o mesmo mas sobre perspectivas diferentes.
Tu na óptica do doente e eu no campo da bioética. O primeiro erro de interpretação foi meu.
Á frente.
Ninguém em seu perfeito juízo descuida o sofrimento da pessoa, aliás é esse o cerne da questão. Quanto aos outros picanços pelo texto fora, sabes perfeitamente que se há coisa que faço, é mudar para melhor, quando assim entenda e me seja provado que deva. Não tenho certezas absolutas (nem as há) mas tenho e gosto de ter posições que saiba fundamentar.
Dei o exemplo do aborto por analogia neste ponto do "outro" o que significa que não são duas coisas iguais nem a serem tratadas como tal. Apenas nesse ponto.
Todo o resto escuso de comentar porque infelizmente é uma realidade também minha.
Beijoka miga.

A ilha dentro de mim disse...

Os picanços não eram para ti, minha Brava. Pelo menos não directamente. Eram uma simples constatação de uma realidade que tenho vindo a aperceber-me.

RD disse...

Clear. ;) Chuaccc.

«« disse...

falar acerca da dor da ElBravinha e da sua mãe é uma estupidez que me recuso a cometer (prefiro mandar um abraço de um amigo que nenhuma de vós conhece). Gostava de dizer que a reflexão acerca da Eutanásia, como o aborto, parecem-me condenadas ao insucesso pela tentativa de generlizar, em vez de se tentar encontrar uma lei que regule a sua prática, resume-se a discussão à dialéctica sim/não. Vamos continuar na mesma. Eu ppor mim acho que há pessoas com o direito a por termo á sua vida, como há mulheres que têm razões por optar pelo aborto. Mas também vejo e reconheço que o contrário também acontece, ´por isso acjo extremamente redutor fazer a discussão na base do Sim/Não.

A ilha dentro de mim disse...

Concordo plenamente consigo, Miguel. O meu post era precisamente a demonstrar que a generalização da discussão é uma estupidez das maiores. Obrigado pelo abraço! Um amigo, ainda que desconhecido, é sempre bem-vindo!:)

Anónimo disse...

amiga lídia.

Não tenho muito a dizer a não ser que sou a favor da eutanásia, quando devidamente enquadrada. Mas aqui entra a eterna questão do legislador, que proventura é humano. Mas esta é uma questão menor para o que acabei de ler. É um intervalo entre o passado e o futuro que não conheço. Mas sei que tu e essa pessoa (aquela que te trouxe ao mundo) fizeram durante algum tempo parte da minha vida. Ainda fazem, mas noutro patamar.
Lili!!! Muita Força e não deixes de acreditar que a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida. Esta ultima frase, de Vinicius de Moraes, dedico a toda a manada. Não sei bem o nome de todas, mas sei que as conheço e que guardo recordações eternas!
Rui Goulart

RD disse...

Ueipiá! O picaroto deu à costa!
Vê lá se vais aparecendo e matando saudades da tua adolescência felicíssima que eu ajudei a proporcionar, hehe.

RD disse...

Tou admiradíssima do JP não ter comentado os posts sobre a eutanásia... aquele anarquista com tendências de esquerda já não mexe... hum... Não há nada como um bom picancinho, vou ver se lhe digo para vir cá que já sei que ele fica logo irritado com as minhas respostas, hehe. (fim do monólogo interior maquiavélico)

Vítor Leal Barros disse...

el bravinha, peço-te desculpa por só agora fazer o comentário a este post... o tempo não chega mesmo para tudo e já andava para o ler à bastante tempo.

pois realmente a eutanásia é um tema complicado, se por um lado percebemos o sofrimento e a vontade livre de lhe por fim de quem a procura por outro lado o nosso respeito pela vida obriga-nos a não desejar essa solução.

o que eu acho no meio disto tudo é que a eutanásia é uma questão muito recente do ponto de vista histórico. ou seja, só com os avanços da ciência e da medicina se conseguiu prolongar a vida em casos que à partida teriam já fim anunciado. o que quero dizer com isto é que se não fossem as "máquinas" e o conhecimento ciêntifico nunca existiria esse estado vegetativo das pessoas que procuram a eutanásia, morreriam naturalmente em consequência da doença ou do acidente que os levou aquele estado. pergunto eu: não será essa vida "ganha" ou esse prolongamento do sofrimento um acto artificial? e assim sendo haverá alguma legítimidade para prolongar uma vida que naturalmente (excluindo a ciência) teria um fim natural como todas as outras? deixo a questão no ar.

sinceramente acho que este é daqueles assuntos em que me custa tomar opinião e se um dia, espero que não, for confrontado com essa situação sinceramente não sei qual vai ser a minha escolha... rezo para nunca ter de a fazer. o que eu acho é que cada pessoa tem direito à sua liberdade e com isso o direito de por termo à sua própria vida...à quem o faça porque tem mãos e braços saudáveis para o fazer (caso do suicidio) e há quem não tenha essa possibilidade e procure a ajuda dos outros. tudo isto é dramático demais!!! o sentido que cada um tem para continuar neste mundo só a ele lhe pertence e a ninguém mais.

beijo e desculpa ter sido tão longo

RD disse...

Detectei leituras de Hannah Arendt amigo Vítor? :)

Vítor Leal Barros disse...

Rosita, por acaso não...é mesmo a minha opinião pessoal sobre este assunto. Já me tinhas aconselhado a Hannah Arendt e eu não me esqueci do conselho... mas nem imaginas a correria em que tenho andado... ando a ficar maluquinho com tanto trabalho nem tempo tenho para ler (não sabes como me custa dizer-te isto)... neste preciso momento tenho uma tonelada de coisas para fazer e olha para mim aqui a fugir-lhes com uma pinta do caraças... infelizmente vou ter que as fazer... até breve. (tenho tantas saudades de ser estudante... tinha tempo para tudo...) grrrrrrrrrrrrr n me apetece trabalhar...n me apetece trabalhar... n vou trabalhar e pronto grrrrrrrrrrrrrr... beijokas...tenho mesmo que ir não adianta fugir

RD disse...

É sempre a tua opinião, mesmo que seja iluminada por outra pessoa :)
Sabes, é que a maior preocupação da Hannah Arendt é a maquinização do homem. A forma como ficámos dependentes dos avanços tecnológicos e perdemos humanização. A tua opinião é muito actual e se não leste sobre isso, ainda bem que já o pensaste. De facto, vivemos um grande problema e creio que para resolvê-lo tem que se impôr alguns limites no campo dos direitos humanos ou reformular o conceito de "Homem". A vida começa a pertencer cada vez mais ao próprio homem. Pode parecer bom a uma primeira vista mas trará outros problemas, como o é a eutanásia, que dificilmente se resolverão.

RD disse...

Mais um ponto que me incomoda bastante:
Já pensaste bem nos escravos em que nos tornámos com os telemóveis e computadores? Quantas vezes não mandamos um email ou um telefonema, em vez duma saudável reunião em casa de amigos?
Imaginas a quantidade de pessoas sedentárias que fazem "sexo virtual" (seja o que isso for) em vez de conviverem para viverem melhor?
Entre mil exemplos que todos encontraríamos, nunca, mas nunca, se poderá substituir um olhar, a linguagem corporal, a palavra dita em frente ao outro. Tenho medo de termos perdido este mundo, não nós ainda e/ou talvez, mas os miúdos que passam o dia sozinhos a jogar playstation.
Achas que se trabalha nisto? Não, bem pelo contrário. Não nego a vantagem das novas tecnologias, mas quero que elas me sirvam e não que eu as sirva a elas.

Caiê disse...

Concordo inteiramente com a eutanásia. A minha posição foi reforçada por uma questão pessoal,melhor dizendo, familiar pela qual passei há menos de um ano...consequentemente, acho que posso afirmar que consigo partilhar um pouco dos sentimentos experienciados pela elbravinha, embora cada qual viva as suas situações de modo particular e único, claro.
Mas ver quem nos criou definhar até ao extremo último, e sublinho último, e saber da sua dor e da sua vontade e medo... bom, escuso palavras. A medicina que tanto nos ajudou a prolongar a vida devia também ajudar a dar esse passo quando não há mais nenhum a dar... pois assim se poupava muita dor desnecessária. Isto digo por experiência.
Quanto à ética... que maior ética pode haver do que poupar o sofrimento a quem nos deu amor? Deixo-vos a pergunta.
Coragem, amiga, e mais ainda para a tua mãe.

A ilha dentro de mim disse...

Tenho andado um pouco ausente e só agora tive oportunidade de escrevinhar aqui umas linhas para agradecer as palavras de todos vós. Voltem sempre e não se esqueçam que o essencial é analisar os assuntos antes de dizer que já temos uma opinião formada. Bjokas!

A ilha dentro de mim disse...
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