segunda-feira, 4 de julho de 2005

Food for Thoughts

Sem politiquiçes, só para dar que pensar!

Portugal não se respeita
por Vasco Pulido Valente in Público


"Parece que Álvaro Cunhal foi uma figura "importante, "central", "ímpar" do século XX português. Muito bem. Estaline não foi uma figura "importante", "central", "ímpar" do século XX?
Parece que Álvaro Cunhal foi "determinado" e "coerente". Hitler não foi? Parece que Álvaro Cunhal era "desinteressado", "dedicado" e "espartano". Salazar não era? Parece que Álvaro Cunhal era "inteligente". Hitler e Salazar não eram? Parece que Álvaro Cunhal sofreu a prisão e o exílio. Lenine e Estaline não sofreram?
As virtudes pessoais de Álvaro Cunhal não estão em causa, como não estão as de Hitler, de Estaline, de Lenine ou de Salazar.
O que está em causa é o uso que ele fez dessas virtudes, nomeadamente o de promover e defender a vida inteira um regime abjecto e assassino. Álvaro Cunhal nunca por um instante estremeceu com os 20 milhões de mortos, que apuradamente custou o comunismo soviético, nem com a escravidão e o genocídio dos povos do império, nem sequer com a miséria indesculpável e visível do "sol da terra".
Para ele, o "ideal", a religião leninista e estalinista, justificava tudo.
Dizem também que o "grande resistente" Álvaro Cunhal contribuiu decisivamente para o "25 de Abril" e a democracia portuguesa.
Pese embora à tradição romântica da oposição, a resistência comunista, como a outra, em nada contribuiu para o fim da ditadura. A ditadura morreu em parte por si própria e em parte por efeito directo da guerra de África. Em França, a descolonização trouxe De Gaulle; aqui, desgraçadamente, o MFA. Só depois, como é clássico, Álvaro Cunhal aproveitou o vácuo do poder para a "sua" revolução. Com isso, ia provocando uma guerra civil e arrasou a economia (o que ainda hoje nos custa caro). Por causa do PREC, o país perdeu, pelo menos, 15 anos. Nenhum democrata lhe tem de agradecer coisa nenhuma.
Toda a gente sabe, ou devia saber, isto.
O extraordinário é que as televisões tratassem a morte de Cunhal como a de um benemérito da pátria. E o impensável é que o sr. Presidente da República, o sr. presidente da Assembleia da República, o sr. primeiro-ministro e dezenas de "notáveis" resolvessem homenagear Cunhal, em nome do Estado democrático, que ele sempre odiou e sempre se esforçou por destruir e perverter. A originalidade indígena, desta vez, passou os limites da decência.

Obviamente, Portugal não se respeita."

4 comentários:

Caiê disse...

Podia dizer-te muitas coisas, mas só com esta és capaz de ter uma ideia do que penso:

Cunhal foi um gajo que deu muitos anos de luta ao país, que esteve preso pelos seus ideais serem contra ao regime, que teve tomates de mesmo assim não virar a casaca, que teve fibra em tempos de totalitarismo e opressão.

quem é Vasco Pulido? um gajo que fala mal de Cunhal.


Eis a História. Com "H" grande.

João Pacheco de Melo disse...

Nem mesmo VPV - a quem reconheço muita inteligência, saber, e que até o gosto de ler - consegue falar das virtudes de Cunhal sem o ter de comparar, simultaneamente, com mais dois ou três individuos. Se esta acumulação já é importante quando se trata de virtudes, torna-se ainda mais notória ao tratar dos defeitos; também para estes é necessário acumular os de duas ou três outras individualidades.
O que VPV sabe, mas não deixa escrito é que todos os comparados foram poder e Cunhal não!
O que, para o caso, tem muito mais importância do que possa parecer!

Eu, claro que também discordo de muitos dos métodos e processos usados por ACunhal. Mas isso não invalida o reconhecimento das suas superiores qualidades!

RD disse...

Concordo com o JPM.
Além disso, esse tipo de comparações já me começam a enervar. Pode-se lá comparar o Cunhal ao Hitler!?! Qual a lógica disso? Lógica simplória de aparências? Não funciona. Coerência é bem mais do que isso.
Enfinzes.

carlos disse...

Parece-me oportuno recordar aqui um episódio relacionado com os "nuestros hermanos". No princípio dos anos 70 uma figura grada do regime franquista, o Almirante Carrero Blanco, foi liquidado por uma bomba da ETA. O carro onde seguia foi projectado para o ar a mais de 20 metros. Alguma esquerda mais esquizóide começou então a fazer correr o seguinte slogan: "Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco". Quando o Generalíssimo morreu, de morte natural, alguma dessa esquerda chegou-se a Filipe González e perguntou-lhe: "Então, não estás celebrando?", ao que o futuro primeiro-ministro respondeu:"não tenho por hábito celebrar a morte de nenhum espanhol".
...é pena que o texto do Pulido Valente não esteja à altura desta frase.