quarta-feira, 20 de setembro de 2006

«Reaprendi a olhar o mundo»

«Passaram mais de seis meses desde a última crónica que alinhavei neste jornal. Seis meses que pareceram voar, embora cada dia parecesse por vezes nunca mais acabar. Não, não foram seis meses de trabalho. Nem de doença. Nem de viagens. Apenas os primeiros meses de uma nova fase da minha vida: a maternidade.

No dia em que o meu filho nasceu, pensei que estava apenas a ser mãe pela primeira vez. Nada que a minha mãe e a minha avó não tivessem já feito, tal como muitas outras mulheres ao longo de todos os séculos. Talvez por isso, quando me perguntaram pela primeira vez se a maternidade mudava mesmo a pessoa, respondi que não tinha dado por nada. E, na verdade, não tinha. Ainda!

Contudo, ao longo destes meses fui percebendo que tudo mudou no dia em que o meu filho nasceu. (Isto de escrever “o meu filho” tem um peso estranho. Vejo-me de cabelos brancos e rugas pesadas a pronunciar estas palavras de posse, de sentimento de pertença. Como se o legado que deixo tivesse o peso de um feito inalcançável ao comum dos mortais. Como se o meu filho representasse a minha própria mortalidade.)

Confesso que o cansaço e a excitação das primeiras semanas não me deixava tempo para sentir, e muito menos para reflectir. Vivia para o momento, como se o futuro do meu bebé dependesse de cada minuto que passasse com ele.

Perdi a conta das noites mal dormidas, das fraldas recheadas, das roupas bolsadas e dos choros intermináveis. Mas jamais esquecerei os primeiros sorrisos, os olhares deslumbrados, os carinhos desajeitados e as primeiras grandes descobertas.

Agora, compreendo que ser mãe não mudou apenas a minha vida. Mudou, sobretudo, a minha perspectiva do mundo. Foi todo um novo universo que se abriu para mim, como se o trabalho de parto tivesse rompido a camada protectora da minha alma.

Poderá parecer exagero. Não sei sequer se outras mães sentiram o mesmo quando tiveram o seu primeiro filho. Mas sei que me senti deslumbrada por cada olhar, cada sorriso, cada gesto do meu rebento. Como se em cada progresso dele eu revivesse o caminho que percorri quando vim a este mundo. Como se também eu tivesse nascido de novo.


Na falta de vídeos do meu próprio desenvolvimento, e perante umas poucas fotografias dos primeiros meses, dei por mim estreitanto laços com a família em busca dos segredos da minha infância. Como se a criança que eu fui um dia encerrasse a solução para todos mistérios que agora vão dando corpo ao meu filho.

Comecei por pensar que a minha meninice me poderia ajudar a ser uma melhor mãe. Mas sei que por mais que busque a essência de mim, não será suficiente para entrar na essência do meu filho. Terei, primeiro, que sentir o passar do tempo e acompanhar a descoberta do mundo pelo seu olhar. Só então poderei perceber que a sua essência é para ser amada e não apenas compreendida. Tal como a essência do mundo é para ser vivida e não apenas descodificada.

Entretanto, vou continuar a usar os olhos do meu bebé para olhar o mundo pela primeira vez. Tenho a certeza que vou aprender mais do que imagino.»

Lídia Bulcão, in Jornal dos Açores, de 19 de Setembro de 2006

2 comentários:

C-Angel disse...

Fiquei com lágrimas nos olhos...minha vaca!!! Está lindo....
Nos últimos tempos tenho pensado a sério na maternidade e devo dizer que este blog deixou-me ainda mais confusa!!!
Vamos ver o que me trás o futuro..até lá tenho um sobrinho lindo de morrer a quem encher de amor e carinho!

A ilha dentro de mim disse...

As minhas palavras não merecem tais lágrimas, sejam elas boas ou más... Mas fico contente por vos terem tocado no coração. E por o terem escrito!